Nas últimas semanas, um vídeo polêmico circulou nas redes e reacendeu o debate sobre a adultização precoce de crianças. Embora a discussão tenha ganhado força por causa de um caso específico, o fenômeno está longe de ser isolado. Basta observar meninas de oito anos reproduzindo coreografias sensuais do momento e meninos pequenos ostentando marcas e poses adultas para a câmera. Tudo embalado por curtidas, seguidores e pela ilusão de maturidade que a internet vende. A infância, que deveria ser tempo de leveza e de descobertas, vem sendo abreviada pela lógica de uma sociedade que valoriza a performance.
A infância é uma fase marcada por descobertas, brincadeiras e construção da identidade, mas está sendo encurtada por um cenário que incentiva a pular etapas. A lógica imediatista, estética e competitiva das redes sociais pressiona crianças a se comportarem como miniaturas de adultos, não porque estejam prontas, mas porque percebem que isso rende atenção e aplausos. O problema é que, para cada etapa da vida, existe um repertório emocional e cognitivo que precisa ser vivido. A pressa para crescer pode cobrar um preço alto e, muitas vezes, esse preço só é percebido anos depois, quando a falta de experiências próprias da infância gera dificuldades emocionais na adolescência e até na vida adulta.
No campo psicopedagógico, os impactos são visíveis. Quando a criança se vê mais preocupada com likes, visualizações e filtros do que com brincar, criar ou explorar o mundo real, ela deixa de exercitar habilidades essenciais para o desenvolvimento saudável. O cérebro infantil precisa de tempo para amadurecer, e isso inclui viver experiências concretas, não apenas virtuais. Subir em árvores, inventar histórias, brincar de faz de conta ou simplesmente experimentar o tédio são atividades que, embora pareçam simples, constroem bases sólidas de criatividade, autonomia, resiliência e aprendizagem.
A adultização também impacta diretamente a autoestima. A criança que se compara com padrões irreais das redes tende a se sentir insuficiente, inadequada ou fora do padrão. Essa comparação precoce mina não só a autoconfiança, mas também a própria percepção de valor pessoal. É como plantar uma semente e esperar que floresça antes de criar raízes: o crescimento pode até parecer rápido, mas será frágil, sem sustentação. E uma infância fragilizada gera adultos mais vulneráveis, inseguros e desconectados de si mesmos.
Como sociedade, precisamos recuperar o entendimento de que infância é direito, não privilégio. Uma fase que deve ser vivida com intensidade, mas na velocidade certa. É responsabilidade de todos: pais, educadores, cuidadores e comunidade, em blindar esse período contra a pressa do mundo e a voracidade das redes. Infância não é mercado de consumo nem palco de exibição, é o alicerce sobre o qual se constrói a vida adulta.
Crescer é inevitável. Mas correr para crescer é uma escolha e, muitas vezes, uma escolha apoiada por adultos que esquecem que já foram crianças. Que possamos, juntos, devolver à infância o tempo que ela merece, garantindo que nossos meninos e meninas tenham o direito de brincar, errar, aprender, se frustrar e, acima de tudo, viver plenamente cada etapa do desenvolvimento. Somente assim estaremos formando não apenas futuros adultos mais saudáveis, mas também uma sociedade mais consciente, empática e humana.