As férias de julho chegam ao fim, e com elas vem um sentimento comum: a ideia de que é hora de guardar os brinquedos, fechar o tempo livre e voltar à “realidade”, aquela que exige foco nos estudos, disciplina e recuperação do tempo supostamente perdido. Mas será que essa urgência toda deixa espaço para o que é verdadeiramente essencial na infância?
Com a retomada do calendário escolar, muitas famílias e escolas concentram seus esforços no desempenho acadêmico, especialmente quando o primeiro semestre trouxe dificuldades. É compreensível, mas ao acelerar conteúdos, preencher o tempo com tarefas e investir apenas em cobranças, corremos o risco de atropelar o processo mais precioso do aprender, o encantamento.
Aprender exige vínculo, motivação. E é justamente aí que o brincar entra, não como um adereço, mas como a linguagem vital da infância. Brincar não é perda de tempo, nem privilégio das férias. É no faz de conta, nas histórias criadas, nos jogos de regras e no contato com a natureza que a criança organiza emoções, simula situações do cotidiano, testa papéis, aprende a esperar, negociar, perder e a tentar de novo. Brincar não é o oposto de aprender, é uma das formas mais profundas de aprender.
Como psicopedagoga, é comum encontrar crianças exaustas, desmotivadas e com o olhar apagado diante das tarefas escolares. Quando a rotina educativa, seja na escola ou em casa, se resume a cobranças, conteúdos acelerados e pouca escuta, o prazer de aprender se perde. E sem prazer, a aprendizagem deixa de ser uma descoberta e passa a ser um fardo para a criança e para quem a acompanha.
No espaço psicopedagógico, o brincar tem papel essencial nesse resgate. É por meio do lúdico que conseguimos acessar a criança de forma mais genuína, acolher suas emoções, compreender seus modos de aprender e ajudá-la a reconstruir sua relação com o conhecimento. O brincar, nesse contexto, não é só estratégia. É caminho terapêutico e ferramenta de vínculo.
O brincar não resolve tudo, mas amplia possibilidades. Ele fortalece funções cognitivas, estimula a linguagem, a criatividade, a memória e a atenção. Ajuda a criança a elaborar experiências que ainda não consegue traduzir em palavras. E para as crianças neuroatípicas, o brincar é ainda mais urgente. Pode ser o canal mais acessível para socializar, regular-se emocionalmente e desenvolver habilidades de forma respeitosa com seu próprio tempo.
Quando a escola oferece espaços lúdicos e atividades intencionais de brincadeira, está dizendo: “você pertence”, “seu modo de aprender é valorizado aqui”. O brincar, nesse contexto, não concorre com o conteúdo pedagógico. Pelo contrário, potencializa-o. A criança que brinca, experimenta. E quem experimenta, aprende com sentido.
É importante lembrar que brincar não exige brinquedos caros nem grandes produções. Pode estar no quintal, no jogo de tabuleiro com a família, na mímica improvisada após a aula, no olhar curioso que acompanha uma história contada com afeto.
Em tempos de urgências e pressa, brincar é um ato de cuidado. É resistência contra a infância apressada e silenciada. Ao preservar o brincar mesmo depois das férias, estamos defendendo o que sustenta qualquer jornada de aprendizagem: o vínculo, o afeto e a alegria de descobrir.
É acreditar que, antes de formar estudantes, estamos ajudando a formar pessoas. Brincar continua sendo urgente, todos os dias.